O frio era muito intenso naquela noite, o termómetro dentro do táxi indicava que lá fora estavam uns gélidos três graus negativos. Precisava de beber com urgência algo quente, estava muito desconfortável. O que me tinha passado pela cabeça em apanhar o comboio até à cidade mais fria do pais?
Nunca gostara de frio e nem conseguira suportá-lo, adoecendo frequentemente no inverno. No entanto, a chama da saudade ardia dentro de mim. O amor levou-me ao frio infernal. O amor era a resposta para tudo, o caminho para a felicidade, o sentido da vida. O amor tinha-me levado ali e eu tinha esperança que me levasse até a ti.
Olhei pela janela e observei. A cidade era muito bonita, as luzes iluminavam as ruas, as pessoas cumprimentavam-se com simpatia e afabilidade. Não pareciam ser desconfiadas e nem rudes, como em Lisboa. Ali tudo parecia diferente, sentia-me noutro mundo. Estava maravilhada. O taxista, parecia um guia turístico indicando museus e relatando acontecimentos históricos passados na cidade.
─ O que faz por cá? Negócios? Laser, amor…? ─ Perguntou-me o motorista, fitando-me pelo espelho retrovisor.
Quando o taxista pronunciou a palavra “amor”, corei súbita e inesperadamente. Seria tão óbvio assim?
─ Veio por amor, então? Muito bem.
Baixei os olhos e permaneci em silêncio. O embaraço que sentia era evidente… O taxista continuou.
─ Sabe, isso é muito bonito, seguir o que o seu coração lhe diz. Existem poucas pessoas românticas actualmente. Hoje em dia, estas pessoas estão bastante mais focadas com o seu trabalho, com a carreira profissional, com o dinheiro, etc. O amor e a família ficam para segundos, ou mesmo para terceiros planos. Já nem ouvem a voz do seu coração. É triste…
─ O senhor, é romântico ─ afirmei, tentando que ele se concentrasse na sua vida e não na minha.
─ E a menina, não é romântica?
─ Sim, penso que sim…
Então, ele continuou. Falou do seu casamento, das crises matrimoniais, dos filhos, netos, etc.
Eu continuava em silêncio, ouvindo-o. Depois, começou a dar-me conselhos de amor e de como poderia fazer para que o nosso amor resultasse. Era espantoso como aquele homem sem me conhecer, estava a acalmar-me e a dizer o que precisava saber para que conseguíssemos ser felizes e, o mais engraçado era que eu não precisava dizer uma única palavra, ou fazer qualquer tipo de comentário! Ele parecia já saber! Muito interessante mesmo...
─ Manter um relacionamento não é fácil, mas olhe, quando existe amor verdadeiro, deve-se lutar. Olhe que merece a pena todos os sacrifícios, todas as lutas, pois só assim se aprende a amar verdadeiramente.
Na tentativa de novamente mudar de assunto, perguntei-lhe se conhecia algum local onde se servisse chocolate quente. Precisava aquecer-me com urgência e imediatamente, ele levou-me até lá. Paguei a trajectória e saí para beber o chocolate quentinho, ia saber-me mesmo bem.
─ Vá com Deus e boa sorte com esse amor. Lute! ─ Disse o simpático do taxista, parando o táxi mesmo à porta da chocolataria.
Agradeci, paguei e saí.
Sentada na mesa e depois de servida, saboreava o delicioso chocolate quente. A nossa banda que tocava no palco, instigava-me a procurar-te e seguir com o meu plano inicial que era procurar-te, esclarecer todas as tuas dúvidas e ficarmos juntas, finalmente. A própria vocalista olhava-me fixamente e o seu olhar parecia dizer: “Vá, faz isso! Procura-a, vai tudo correr bem. Confia.” Bebi mais um pouco do chocolate quente e peguei no telemóvel, marcando o teu número e então, começou a tocar a nossa música! Que loucura!
Atendeste do outro lado e eu disse:
─ Estou… Não desligues, apenas escuta o que está a dar… ─ E apontei o telemóvel para a banda, para ouvires a música «Pink Floyd – Wish You Were Here», ─ “Desejo Ter-te Aqui”.
No fim da música cantei um pouco para ti, em jeito de serenata e tu, com voz embargada, disseste em português:
─ Meu Deus, como eu desejo ter-te aqui comigo… ─ disseste a chorar com saudades.
─ Porque estou aqui, na tua cidade!
─ O quê?! Como assim, “estás na minha cidade”?
─ Sim, cheguei à pouco no comboio e estou a ligar-te da chocolataria… ─ Disse-te onde estava meio com medo, tinham passado 12 anos desde a última vez que tínhamos estado juntas.
Separámo-nos devido aos meus ciúmes e percebendo que estava doente, afastei-me de ti. Não queria fazer-te sofrer. Porém, em todo este tempo nunca te tinha esquecido. Amava-te, sim mas graças à psicoterapia, já não estava obcecada por ti.
Combinamos, vires ter comigo até à chocolataria onde eu estava. Disseste que chegavas dali a 15 minutos e eu assenti, dizendo que te esperaria. Estava ansiosa, nervosa e insegura com medo que não viesses. Terias alguém…? Esta pergunta ecoava na minha mente vezes sem conta.
O meu medo dissipou-se quando te vi entrar e sentares-te na minha frente. Continuavas linda, mais linda que antes. Abraça-mo-nos longamente. “Que saudades de ti”, disse em pensamento.
Conversámos muito, foi até a chocolataria fechar. Falámos de tudo, do nosso trabalho, dos nossos projectos, etc. falámos de ti e de mim. Durante a nossa conversa senti que o nosso amor permanecia vivo, ainda me amavas e eu a ti. A maneira como me olhavas, como as nossas mãos se tocavam era reveladora do amor que existia em nós. Neste tempo todo não tinhas tido ninguém e eu também não.
Quiseste saber onde estava hospedada e ofereceste-te para me levar ao hotel. No rádio, passava uma música linda que ainda não conhecia. Era a banda Snow Patrol e a música chamava-se The Lightning Strike, ouvi-a com atenção e subitamente, começaste a cantar a canção. Fiquei muito surpreendida, tu não costumavas cantar. Não te conhecia esse gosto pela música. Olhei-te com admiração e também com amor, sim, pois só quando se ama é que se consegue sentir simultaneamente amor e admiração.
A tua mão apertou a minha no elevador quando subirmos para o quarto, era como uma promessa de amor que se adivinhava. Estava ansiosa e nervosa, há muito que sonhava em ter-te nos meus braços. Fazia tanto tempo que receava que aquilo fosse um sonho e que, ao acordar tudo desaparecesse, inclusivamente, tu.
No entanto, isso não aconteceu. Ao chegarmos ao quarto, tu fechaste a porta e beijaste-me apaixonadamente. Lágrimas de felicidade, molhavam o meu rosto.
─ Estás a chorar, desculpa… ─ Disseste confusa olhando-me.
─ Sim, estou mas estou a chorar de felicidade. Doeu demais ficar longe de ti, senti tantas saudades. Para mim tu és tudo, o meu Tudo. Amo-te.
Sem mais palavras, abraçaste-me e beijámo-nos num misto de paixão e amor. Esse beijo acendeu a nossa chama interior e fizemos amor apaixonadamente, durante a noite toda. Tornámo-nos numa só. Adormeceste abraçada a mim. Sentia-me feliz, agraciada e antes de adormecer pensei que nunca fora tão feliz, nem nunca me sentira tão amada e segura como me sentia ao teu lado. Seguraste-te em mim como se eu fosse a tua pequena jangada e eu atraquei-me em ti, como se fosses o meu porto-seguro.
Após sete anos e já casadas, é novamente inverno e estamos sentadas à beira-mar. Estamos a beber um chocolate quente, está frio e observando o nascer-do-sol juntas, olho nos teus olhos dizendo-te:
─ És o meu Tudo.
─ E tu és o meu. Amo-te, amor. ─ Dizes apoiando a tua cabeça no meu ombro.
Fim
Cris Henriques
*Nota: Este conto foi criado para o projecto do blog
Bloinquês na
9ª Edição Musical. Tema: Quando você se segurou em mim como se eu fosse sua pequena jangada.